Uma aluna do
sexto ano, dias atrás, depois da leitura de um texto que falava sobre o fim da
vida, disse:
__ A morte, às
vezes, pega pesado, né, “psora”.
Comentários
surgiram a partir disso, a aula fugiu (ainda bem) do que estava programado e a frase dessa pré-adolescente ressoa em mim
desde então.
“A morte, às
vezes, pega pesado”...
Ah! Às vezes? Não
é sempre que essa senhora pega pesado? E, brilhantemente, ela é de profunda
importância... Saramago nos ensinou isso em “Intermitências da morte”... Tantas
outras pessoas nos ensinaram/ensinam isso...
Mas qualquer
escrito perde valor no momento em que a morte vem para aqueles que
acreditávamos que nunca morreriam...
Já escrevi e
falo sobre o medo que eu tinha de a vó Tunica desaparecer enquanto eu estava na
creche. Quando descobri que isso não aconteceria, determinei eternidade para
ela.
No dia
5/3/2015, algo resolveu contrariar minha sapiência infantil... e a vó Tunica
teve de partir.
Um mês após esse
grande peso da morte, começo a sentir o alívio que o peso da história pode
proporcionar. Uma história cravada nas
palavras... Isgrise, esbrontolar, jhavai, dirondar, tonheto, garribarde... Dar
significado para esses vocábulos é quase impossível... buscam-se
definições para essas e outras expressões; no entanto, a força delas está na
vó, é a própria Dona Tunica: Contar
pratinhas para pagar as contas, ensinar que, na vida, para tudo tem um jeito, bater
palmas quando o “parmera vara um gô”, mandar arrumar o chinelo que está tonheto, ficar com isgrise, gritar de dor ao
saber da morte do meu pai, sempre trabalhar e cuidar muito de todos, fazer sopa
de macarrão comprido ou macarrão picado, pegar o istroce para pôr ali no coiso,
rezar, contar as histórias da Sá Maria, da panela de polenta que a bisa não
permitia que fosse lavada no outro dia, ensinar a importância de se ir à missa
e aos velórios, fazer visitas na casa da
“cumade” Ana, cortar cabelo na Leninha... As histórias da vó,
lembradas, esquecidas, relembradas, sempre dirondarão por todos nós, sobrepondo
seu peso ao da morte.
A vó Tunica
sabia que a história era mais forte que a partida, construiu, para nós, o “nonim”, por
meio de relatos (nunca precisamos de retratos para vê-lo nas festas
e lidas da roça e, até mesmo, na dor de ter uma doença incurável).
Muitas vezes,
procurei Deus, deuses, santos, entidades, velas e, inclusive, o nada, para
entender o susto, a revolta, a dor de
ver alguém tão amado partir. Depois de tantas perdas, agarrar-me ao não
entendimento da morte, sentindo o peso dela, me traz a força histórica, que me deixa respirar e me curar, como os queijos no sítio do Zé Peron, o qual também nos
deixou grandes histórias... deixou lá a cadeira dele, o chamamento da vaca
Guaíra, o recitar mais belo de xingamentos, a força do trabalho e do olhar. Lá
do sítio, sai o cheiro do pão de chocolate... e sai, também, lá da casa da tia
Isabel, a Beluda, que fazia pão e chá de chocolate... proseávamos e proseávamos...
era prosa para mais de metro. Ela ainda grita dentro de nós: “Cala-te, boca.” “Cê
que não muda esse jeitinho, não.” “Oh, língua maléfica”...
As histórias
dessas e outras pessoas amadas constroem
minha história, meu sangue... que é perpassado pelo Zé, meu Zé Umberto Gazola,
trajado de durezas e fraquezas... Meu
Zé... Meu e da vó Tunica, a essência da minha explosão perante a história.
A morte pega
pesado... Muito pesado! Ela é petulante o suficiente para nos deixar no
desamparo da ignorância...
Que as
histórias possam sempre me reconstruir...
Que gostoso ler você, Eliana!!! Parabéns pelo texto e pela sensibilidade!!!! beijocas da Van
ResponderExcluirMuito obrigada, Van!!!!
ResponderExcluirBeijos!!!
Nossa, Eliana! Adorei! Que nunca te falte muitas inspirações para nos inspirar. beijos de Diana Conrado
ResponderExcluirObrigada! :-)
ResponderExcluirBjs