segunda-feira, 31 de março de 2014

Mais, mais e mais...

Um banho de soda cáustica, todos os poros ardem, ardem... a pomada ameniza o ardor... mais um banho, agora com água cristalina. Os olhos ainda gritam de desespero, mas já é possível levá-los até a janela:

Sacos e sacos de lixo depositados... um bigato passa pela fresta e, carinhosamente, é colocado de volta na sala.
Todos os dejetos devorados... um arroto de prazer.
Suspiro, concentração e espera.
Hálito perfumado intacto. 
Rim, útero, um pedaço do intestino grosso... Tudo ali servido fielmente.
Mais um arroto de prazer.
Mais sacos de lixos, mais fardas, mais vidas, mais extrema-unções, mais bigatos, mais arrotos, mais hóstias, mais úteros, mais rins, mais unções.







quarta-feira, 26 de março de 2014

Uma salada, por favor

Entra no mesmo restaurante.
Cada dia, com uma companhia diferente.
Naquele momento, quem estava ali era o Câncer. Aquele ser enigmático.
Ele havia passado várias vezes pelas suas proximidades. Ficava pouco tempo, fazia o que tinha de ser feito e partia.
Retornava, executava magistralmente suas funções e ia embora. Era sempre imaginado como o mestre dos mestres. Um senhor belo, alto e de face sisuda.
Entretanto, sentara-se ali um ser simples, frágil...
A minha existência permite a vida dos humanos. Eu posso ser o deus de vocês, ou fazer vocês encontrarem um deus, ou deus nenhum. O meu existir faz com que vocês realizem as atividades mais singelas. Sou eu quem os presenteia com o dilaceramento do amor. Eu existo para que vocês se encantem com as flores daquele jardim. O afeto dispensado aos seus é devido a mim.
Eu ajudo a alimentar o seu desejo insano de não querer virar pó.

__ Senhora, sua salada...

domingo, 23 de março de 2014

Mais uma vez, curvados!

Fica ali na janela, expira, inspira, baila, sorri, encanta, soluciona... e decepciona.
Com a roupa mais bela e o perfume mais atraente, sai. Os portais, as janelas, os vitrais, a porta, os vasos, as rosas, os olhos, a pele, a unha, o estômago, o piso, o lençol... todos seduzidos, todos encantados.
Senta-se, toma a bebida de sempre, abre o livro de sempre, recebe o pedido de sempre.
Caminha pelas ruas arborizadas, seduz mais algumas pessoas pelo caminho e segue firme, imponente.
Deita-se sobre o corpo, examina cada detalhe, inala todos os perfumes expelidos por aquela pele macia e forte, acaricia todos os membros.
Os dois mantêm a respiração ofegante, ofegante, ofegante.
Adentra, sai, adentra, sai, adentra e se instala no lugar desejado.

Lençóis brancos, toalhas brancas, janelas brancas, cama branca, roupas brancas...

Lá está no mesmo lugar, atendendo ao pedido de sempre, tomando a bebida de sempre, corroendo o prazer de sempre, fazendo todos se curvarem como sempre.


sábado, 15 de março de 2014

Apto...

Salvador Dalí,  Criança geopolítica assistindo ao nascimento do novo homem.


Leões...vários... vários em uma jaula. Várias jaulas. Inúmeros leões. Jaulas contornadas, jaulas espalhadas.
O pó, despótico, enclausura o sangue, as veias, as narinas... a laringe em dígitos.
As ramificações pulmonares gozam de grande fôlego.
O ataque!
O ataque!
O ataque!
De novo...
O pó adentra os poros, as narinas, o estômago precisa ser lavado, desinfetado.
As unhas contornam a jaula, as cutículas ouriçam-se, o útero gera e aborta, gera e aborta...
As ideias despem-se, enamoram-se, odeiam-se, agridem-se e outras estruturas alcançam o gozo.
O útero gera e aborta...
Os leões se alimentam dos fetos fétidos, saborosos...
Apetite! Apetite... prostíbulo felino. O pó! A laringe!
O ataque!
O ataque!
O ataque!
As veias excitadas, jorrando desejo, perpassam a entrada... a não efervescência. O útero alimenta os leões...
Apto!
Hábito!
Aptitude!
Apetite!


sábado, 8 de março de 2014

32 frascos?

Alvos, delineados, enclausuram-se pelos traços sulcados pelo deleite.
Enraizados na estrutura arcaica, ramificam-se, enforcam as entranhas daquele olho empanturrado pelos frascos... pelo frasco... há apenas um? Um frasco com 32 comprimidos, ou 1 comprimido diluído em 32 frascos?
Confusa, levanta-se.
Acha que ali no canto da cozinha deveria haver uma máquina de moer café. O cheiro do líquido que adentra o estômago dele ficaria ali todos os dias.
Abre o portão...
E os comprimidos? Deveriam ter sido tomados hoje?
Entra na padaria, os lírios branco e rosa emoldurados a recebem como sempre.
Toma o café com o homem, ou hoje seria com o menino?... Constantemente, uma surpresa... muitas vezes desagradável.
O líquido preto descendo pela garganta dele, o líquido preto descendo pela garganta dela. O líquido saído da mesma garrafa.
O sorriso... a despedida... os afazeres...
Eles brilham, tentam contar algo... não conseguem. Eles se põem vivazes, tentam remoê-la...
32 frascos... ou seriam 32 comprimidos? E aquela mucosa guardando o brilho.
Levanta-se.
__ Aqui poderia haver uma máquina de moer café.
Padaria. Lírios branco e rosa.
O líquido!
O menino...
Aspira o cheiro do café que está nas vísceras dele.
Pelo espelho, dá-se conta de que os lírios são pretos. Deveria ter tomado os comprimidos hoje?
32 frascos... ou seria 1 frasco com 32 desejos de ser o Egeu da Berenice de Poe?