domingo, 2 de outubro de 2016

Sem ensinar, a vó Tunica me ensinou o que é o amor

Oi, vó, bença. Nunca ficamos tanto tempo assim sem nos ver, né? Mais de um ano. E ficaremos muito mais.
Estava mexendo na caixa em que guardo o RG do meu pai, o isqueiro do vô Peron e um lenço da senhora. Ah, o seu cheiro, Tuniquinha, está nele. Chorei tanto de saudade da senhora.
Ouvi sua voz dizendo: Lianinha, pra tudo nessa vida se dá um jeito. Mas ouvir apenas na lembrança não me acalma totalmente.
Eu queria chegar aí na sua casa, ver seu rosto meigo, calmo e ouvir a senhora dizendo que toda noite reza por todos nós.
Ah! Meus dias têm sido movidos pela senhora. Para levantar-me da cama, penso: O que a vó Tunica faria para enfrentar esses problemas? Sei que uma das coisas seria rezar. Então, rezo. Para falar a verdade, vó, o que me move é saber o que a senhora faria no meu lugar e não é, propriamente, a oração  que me bota de pé.
Hoje eu estava tomando banho e lembrei-me de quando tinha um sapo no quintal, eu e o Denim começamos a gritar de medo. E lá veio a senhora com uma vassoura nos defender do ser asqueroso. Estou tendo de lutar com alguns sapos, vó. Queria que a senhora estivesse aqui com aquela vassoura para me defender. A senhora não está, mas ainda me protege.
A senhora se lembra do Lulu? Cachorrinho companheiro, né? E as plantas que a senhora tinha? Lembro-me sempre dos cipós. Não sei se existe outro nome para essa planta, mas, para mim, sempre que vejo uma, digo: Cipozinho da vó Tunica.
Ai, Tuniquinha, às vezes, sinto pena de quem não teve uma vó Tunica.
 Lembra-se de quando a senhora pedia para eu escrever cartas para a tia Luzia de São Paulo? Eu achava tão chique: minha letra com as palavras da senhora estavam indo para a capital.
Lembro-me da senhora dizendo: É, minha cara, nessa vida a gente tem que engolir o boi com chifre e tudo.
Certa vez, tentaram "quebrar" essa sua frase, dizendo-me que, picar o boi e transformá-lo em bifes, fica mais fácil.
Inútil. Nada supera a sabedoria da senhora. Engolir o boi com chifre e tudo faz a digestão ser mais dolorosa, mas a gente fica mais forte.
Eu ainda não acredito que a senhora morreu. Mais de um ano e a dor não passa. É como as dores que a senhora sentia nos ossos. Às vezes davam uma trégua.
Eu queria ver a senhora e contar tudo o que está acontecendo na minha vida e ouvir a sua calma voz, dizendo: Pra tudo nessa vida se dá um jeito. A sua voz, sim, me fortaleceria.
Depois escrevo mais para relembrarmos juntas da importância que a senhora tem na minha vida.
A senhora me ensinou o que é o amor, sem ensinar.
Tchau, vó, bença.


Nenhum comentário:

Postar um comentário