Um tal de João de Santo Cristo ao fundo. Uma letra meio difícil de ser compreendida, embalada por certo amigo Pedro, numa certa adolescência.
__ Chegou! É uma menina!
__ Não quero uma menina, quero um moleque para jogar bola comigo.
__ Mas só havia meninas no hospital.
Piso vermelho na casa toda... Não! A varanda era verde. Metade da parede da cozinha também era verde. A casa, o sofá, o tanque, o quarto, a mesa com gaveta na cozinha, os gritos, as brigas, o despertador barulhento, o rádio branco com o símbolo do Palmeiras, as cobertas, o pé de mexerica, as galinhas do quintal, o canteiro de almeirão... agora tudo tinha de ser dividido. Tinha de dividir até a mãe. Dividir a mãe... Talvez fosse melhor dividir os pais: o pai para ela e a mãe para ele. Não! Tinha de dividir tudo. Não tinha mais nada por inteiro.
Casa da vó... dividir a vó era mais fácil... ela se multiplicava.
Lição de casa! A vó dizia que, antes de qualquer atividade, deveria ser pedida a ajuda de Deus. Rezou antes de fazer a tarefa... ficou intrigada: Mas não é Deus que me ajuda a fazer a lição, quem faz isso é meu irmão. Será que é Deus que ensina as coisas para ele?
O irmão dividia também o conhecimento. Ele era bem sabido. Tomava a leitura até ela parar de ler de soquinho. Ele sabia muita coisa além das que a tia ensinava na creche. Ela sempre achava que todo o conhecimento passado pelo irmão, um dia, seria dado na escola e que ela estaria adiantada.
Ele sabia que o Palmeiras era o melhor time do mundo e sabia o nome de todos os jogadores, tinha até um álbum de figurinhas. Sabia cantar as músicas da "Turma do Balão Mágico". Sabia que, na casa quase vizinha do sítio da vó e do vô, existiam fantasmas. Sabia que era o córrego perto da estrada que dava peixes. Sabia dobrar palhas. Sabia que aquela cara brava era sinal de explosões e brigas. Sabia que as casas eram feitas com tijolos e concreto. Sabia manusear a televisãozinha com fotos da Aparecida do Norte. Sabia que, se colocasse uma embalagem de chocolate na frente dos olhos, a TV deixava de ter imagem preta e branca. Sabia deixar apenas um olho aberto para ver retrato no monóculo. Tanta coisa... mas nada disso veio como matéria escolar...
Um embrulhar vital de aventuras, tristezas e alegrias...
Um violão, um rádio e fitas K7 levando Renato e Raul para que ela conhecesse...
Um tal de João de Santo Cristo ao fundo. Uma letra meio difícil de ser compreendida, embalada por um certo amigo Pedro e por certa adolescência, a qual rega duas vidas adultas...
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