Levantou-se, tomou um banho, tomou café e, mais uma vez, refez suas contas. Como isso era complicado... para José.
Acendeu um cigarro e refez as contas novamente.
Não se tratava apenas de contas físicas, mas, sim, de uma prestação do que havia feito da vida até o momento.
José trabalhava em escritório de contabilidade e escrevia crônicas para jornais. Por anos, quis deixar o emprego e se dedicar somente à vida de escritor ou continuar se dedicando às letras e ter um outro emprego menos estressante que o de contador.
Acendeu outro cigarro e fez as fatídicas contas novamente. As físicas estavam ok, mas as equações fantasmáticas se resolviam com um Se. Meu Deus! Por que tanta tortura?
Arrumou-se e foi para o trabalho. Mais um dia estressante, perturbador. Como sempre, queria ir embora e largar tudo aquilo. Conteve-se e o expediente acabou. Chegando em casa, José escreveu mais uma crônica para um jornal e sentiu-se realizado. Dormiu.
O despertador tocou, levantou-se, tomou café e... refez as contas. Vale a pena tanto estresse? Mas sem esse estresse não tenho renda completa para minhas despesas... mas, se deixar o escritório, posso arrumar outro emprego ou escrever para mais jornais...
Suspirou, tomou um banho, arrumou-se e foi para o trabalho. No fim do dia, encontrou-se com sua namorada, beberam, conversaram e se amaram. José teve a sensação, mais uma vez, de que as suas contas o haviam deixado em paz. Dormiu.
Levantou-se às 6 da manhã e foi se encontrar com seus fantasmas. Não aguentava mais viver assim. Anos e anos, passando por essas malditas equações devastadoras.
José sabia que qualquer caminho que tomasse o levaria para o Se... Era isso que ele queria eliminar ou, ao menos, minimizar.
Conversou com a namorada sobre suas dúvidas profissionais e ela, mais uma vez, o aconselhou a tentar diminuir sua carga horária no escritório, tendo mais tempo para as escritas.
Ele acatou e decidiu fazer esse pedido no escritório. Conseguiu! Passou a trabalhar meio período como contador e, no tempo fora do escritório, escrevia e estudava.
Por alguns meses, José se sentiu feliz e longe das suas malditas equações fechadas em si e em Se.
Trabalhava feliz em seus dois ofícios.
José teve propostas de mais jornais e sua vida financeira melhorou. Não era ruim, pois sempre conseguira pagar suas despesas, mas havia ficado melhor.
Voltou a ver a vida com vontade de estar nela, de estar onde estava. Alívio. Alívio!
O despertador tocou, levantou-se, tomou café, banho e foi para o trabalho. Lá foi avisado de que a Bolsa de Valores estava com vagas abertas. Vários colegas dele estavam alvoroçados com a notícia e estavam enviando currículos. José teve a certeza de que não queria aquela loucura. Estava bem.
A vida corria normalmente. José estava satisfeito.
E se eu tivesse me inscrito para as vagas da Bolsa? Poderia ter passado e estar com mais dinheiro. E, ainda, poderia continuar a escrever. E, se um dia, for mandado embora de meu emprego? Terei de aceitar outro em que eu trabalhe o período todo e, provavelmente, com salário inferior ao da Bolsa de Valores.
Acendeu um cigarro e sentou-se com suas equações novamente. Os resultados não eram diferentes.
Torturou-se o fim de semana inteiro. Mal teve tempo de apreciar a companhia de seus amigos e de Maria.
Insatisfeito com a quantidade tortura, apertou um pouco mais as cordas equacionais que o sufocavam. E se eu tivesse feito outras escolhas na adolescência? E se eu tivesse escolhido outra namorada? E se eu tivesse escolhido ter filhos? Com outras escolhas eu não me torturaria tanto? José sabia que outras escolhas também o teriam levado para mesma masmorra.
Ficou sem ar, perdeu a noção de espaço e tempo. Sufocou-se em seus Ses. Sufocou-se em si.
O despertador tocou, José fez as contas e convenceu-se de que fizera as escolhas certas.
Foi trabalhar contente e tudo estava voltando a ter paz. Mas ele sabia que era por pouco tempo. Ele queria poder resolver essas equações de forma diferente, de eliminá-las, mas, para isso, ele sabia que precisaria ter o poder de sustentar suas escolhas... José queria esse poder, esse poder de paz.
Adormeceu cansado de tanto pensar. Acordou, tomou café, não refez as contas, sem saber o que o tocara para não refazer tais malefícios. Dormiu novamente. Acordou sentindo-se com certo poder. Trabalhou no escritório, escreveu crônicas em casa, namorou, divertiu-se.
Não! José não se livrou totalmente das equações, mas conseguiu caminhar pela vida com mais poder e menos Se.
Não! José não se livrou totalmente das equações, mas conseguiu caminhar pela vida com mais poder e menos Se.