A casa era aconchegante como casa de avó e tenebrosa como o habitat do pai.
Os pais saíram para trabalhar e ela ficou agonizando cada pensamento sobre a vida. Lembrava de uma palestra em que o homem achara tenebroso a mãe ter pensado em abortá-lo. Ela, descrente da vida, lamentava por sua mãe não ter tido a mesma ideia e coragem para consumir o ato.
O lar tinha resquícios de lar, quando o pai não estava. Sua presença era sinônimo de proibição de vida.
__ Folgada.
Gritou o pai quando chegou. Mais uma vez essa característica vinda da boca de seu provedor.
Ela continuou em seus devaneios. Folga é falta de algo. Mas não para isso que servia um dia de folga? Faltarem coisas para fazer?
A única coisa que nunca lhe faltava era dor.
Lembrou-se da casa da vó que sempre fora seu abrigo, mas infelizmente incapaz de lhe arrancar das profundezas mais doridas.
Caminhar por esse pântano era um ar tétrico, glorioso. Outro caminho? Por onde? Para onde?
Mais uma vez vomitou sangue. Não socorrida. Não notada.
Juntou o sangue de seu vômito ao sangue de seus pulsos. Não fora socorrida.
Tiveram a coragem de um aborto tardio, mas tiveram.