domingo, 25 de janeiro de 2015

Rosa era o vestido... Um vestido rosa


Junho se aproximava, começavam os preparativos para a festa junina na creche. A menina não possuía vestido para dançar no mais importante evento escolar... para ela...
A mãe, com poucos recursos financeiros, mas com a mais ativa criatividade, providenciou um belo vestido rosa com babados. Nunca tivera roupa tão exuberante, tinha vontade de colocar o vestido todos os dias, até para tomar banho.
Um encantamento sem tamanho e freio passava pelo calor de sua espinha, toda vez que se imaginava usando o vestido rosa.
Chegou o ensaio final da quadrilha. Todas as crianças vestiram-se com as roupas que usariam na apresentação da grande dança. Parada, próxima ao pátio, sentiu algo intensamente extraordinário, um remoer dentro do estômago, um palpitar de todos os órgãos... Não tinha nenhuma nomeação para o que sentia, apenas sentia e sabia que era bom, muito bom. E não imaginava o quanto procuraria, ao longo da vida, esse sentimento não nomeado, quase impossível de significação.
O grande dia chegou... deve ter sido bom! Talvez sim, talvez não... Nunca conseguiu se lembrar do momento da dança e do que sentira e nem, ao menos, do seu par na quadrilha.
Ah! Mas a menina parada perto do pátio, com o vestido rosa... essa passou a ser procurada ao longo da vida...
No guarda-roupas dividido com os pais e irmão, estava ele, dobrado e sempre bem passado: o vestido rosa.
Vestira algumas vezes a encantada peça, porém aquele sentimento da creche não aparecia. Contemplava o vestido e sentia o cheiro daquele dia, fechava os olhos, e somente o aroma passava por ali.
Com o passar do tempo, foram contando para ela que não havia como resgatar aquela sensação e que deveria contentar-se com a lembrança.
Menina teimosa, sempre um pouco descrente no "não é possível", deixou o vestido rosa de lado, porque crescera e ele não se adequava mais ao seu corpo, mas nunca deixou de procurar as proximidades do pátio da creche.
Numa procura desconhecida, muitas vezes não sabia que era aquele vestido que estava procurando, foi perdendo a teimosia e acreditando que deveria ficar apenas com o contar daqueles sentimentos. Passou a acreditar que deveria nomeá-los e guardá-los para serem preservados da corrosão que começara  habitar suas esperanças. Os nomes, os significados para aquele explodir belo e intenso mataram, rasgaram, implodiram o vestido rosa, a creche e aquela menina que fora habitada pelo não significado... E restou apenas o lembrar. E também o esquecer.
Teimosia, confusão e procura camuflada... na cama, nos olhos, no amor, na dor, no sabor, na creche, no nome, no sobrenome, na letra, na fruta, na álgebra.
Ah, menina de vestido rosa, nas proximidades do pátio da creche, no último ensaio da quadrilha, permaneça aí, fuja das lembranças, da busca, dos nomes. Fique aí, onde você não está... onde você realmente existe...